sábado, 9 de março de 2013

Livro 68: As Coisas (Arnaldo Antunes)

E se a gente olhasse as coisas como se fosse a primeira vez? E se a gente tentasse explicar as coisas para alguém que está chegando agora? E se a gente simplificasse tudo, tanto que coubessem em palavras e, ao mesmo tempo, ampliasse o significado para uma ideia só nossa? 
E se a gente descrevesse o mundo, a natureza, o homem, com a licença poética de um olhar de pai explicando as coisas pro olhar de uma criança? 
E se a gente tivesse um olhar de criança traduzido nas palavras de um pai?
É mais ou menos essa a experiência de ler "As Coisas", do compositor, vocalista, poeta, escritor e artista titânico Arnaldo Antunes. Como ele definiu em uma entrevista:
É um livro diferente dos outros, que de certa forma eram meio coletâneas da produção poética que eu vinha fazendo. (...)Eu tive a idéia de escrever com esse tom bem primário, quase infantil de raciocinar acerca dos objetos, do mar, das cores, da montanha. Esse livro é um híbrido entre poesia e prosa."
E assim, nessa obra, Antunes tece os versos e prosas que vão preenchendo as páginas do livro, acompanhados de singelos desenhos, quase rabiscos, feitos por Rosa, sua filha, na época, com três anos de idade.
A parceria com a menina demonstra bem a intenção dos textos. É para ela que Arnaldo se dirige, e é para o olhar dela que "as coisas" são traduzidas.

“Um campo tem terra. E coisas plantadas nela. 
A terra pode ser chamada de chão. 
É tudo que se vê se o campo for um campo de visão”.

Percebe-se que Antunes emprega em toda a obra uma linguagem ligeiramente infantil, profundamente criativa, que culmina em achados maduros e inusitados.  Ou seria o contrário, tenta descrever algo no ponto de vista de um adulto, acabando desarmado pelo olhar da criança que existe dentro dele?
Compositor e vocalista dos Titãs, poeta ligado às experiências de visualização do texto, e outras aventuras gráficas, talvez a melhor definição de Arnaldo Antunes seja mesmo um artista multimídia. 
Poucas figuras no meio artístico contemporâneo conseguem ser tão inovadores quanto o Titã, que circula com desenvoltura em diversas áreas culturais. 
Com um pé na poesia concreta, Arnaldo bebe na fonte de um Leminski, sem a pretensão de fazer poesia e sim prosa poética. Seu não compromisso com a forma é que traz a graça desta obra, que conquistou o Prêmio Jabuti em 1993.
O resultado é um livro para se ler e saborear, página a página, palavra por palavra, seja você criança ou não.

"Todas as coisas/ do mundo não/ cabem numa/ idéia. Mas 
tudo cabe numa/ palavra, nesta/ palavra tudo".



Livro: As Coisas
Autor: Arnaldo Antunes
Edição: 1992
93 páginas

2 comentários: